Festival de Espantomania
“... Era um boneco humilde de quem a cegonha vaidosa fazia troça. Não incomodava ninguém. Tinha dois grandes braços sempre abertos, à espera que alguém os fechasse com amizade, um casaco com remendinhos de todas as cores, um cachecol e um chapéu preto com uma flor lá no alto (...)”.
“Mas isto de me chamarem Espanta-Pardais é um disfarce. A verdade é que eu não espanto ninguém, e muito menos os pássaros. Ah, essa sim! São uns amigos fixes que sabem histórias e canções e só querem é ser livres, tenham agora medo dum pobre boneco como eu...” (Rosa Colaço – Espanta Pardais).
“Xé, ladrões...
Ide p’ro monte
Comer saltões...
Que lá tem mel
E aqui tem fel...
E pode vir o Manuel...”
(Manuel Vieira Dinis: Espantando os Pardais, 1959).
Muito embora nos nossos campos ainda sejam abundantes as plantações de paus encimados por simples vasilhas de plástico vazias ou pedaços de pano, objectos espelhados (CD’s, por exemplo) ou plástico oscilando ao vento, a verdade é que talvez nem estas “inovações tecnológicas” nem os produtos químicos, largamente utilizados na agricultura, tenham conseguido substituir, em definitivo, o velho espantalho, figura simpática com que nos familiarizamos ao longo do tempo, quer através da sua figura física vigilante no meio dos terrenos semeados, quer através das histórias que nos povoam a infância... Porém, a sua história ao longo dos tempos está cheia de pequenas curiosidades que nos escapam no dia a dia, e de que deixamos registo breve.
A função essencial do espantalho, como o nome indica, seria “espantar” ou “meter medo”. No Latim Clássico de Cícero seria “expaver”, o que, no Latim popular terá dado “expaventar”. Daqui ao termo espantalho, um salto linguístico de que o tempo e as gerações se terão encarregado..
Mas a função do boneco não seria apenas assustar, pois em agricultura é importante que as coisas corram de feição, e a ajuda dos santos e dos deuses (pelo menos) dá sempre um certo jeito. Daqui, uma certa raiz mitológica que caracteriza o espantalho. Os Romanos, por exemplo, construíam pequenas imagens do deus Baco, que penduravam nas árvores e vinhas mais sujeitas aos ataques da passarada. Chamavam-lhes “oscilla”, porque oscilavam ao vento. Segundo descreve Virgílio (70 – 19 a. C.) nas Georgicas, (espécie de obra didáctica sobre a lavoura): “Feliz o vinhateiro que via este sinal agitado pela brisa voltar-se para o seu campo. Era sinal de muitas uvas”.